Hoje de manhã, eu estava parada
na calçada ouvindo música e mexendo no celular enquanto aguardava minha
condução para o trabalho. Eis que um caminhoneiro engraçadinho resolve buzinar,
e a buzina num volume insuportável quase me faz ter um ataque. Como se não
bastasse o susto, o caroneiro quase coloca todo corpo pra fora do caminhão pra
continuar mexendo comigo. Eu, como sempre, levanto o dedo do meio desejando,
intimamente, que as bolas daqueles animais irracionais gangrenem e caiam. Se
você acha exagero da minha parte, é porque não sabe o que é ficar com ódio por
ter seu espaço invadido quase DIARIAMENTE por ANIMAIS que ainda acham que mulher deve agradecer por
levar cantada. Mas se você for mulher, você sabe exatamente do que eu estou falando.
Porque
talvez, você mulher, faça parte dos 81% que já deixaram de ir a algum lugar ou
dos 90% que já trocaram de roupa antes de sair de casa, por medo do assédio
(segundo pesquisa do blog Think Olga = http://thinkolga.com/2013/09/09/chega-de-fiu-fiu-resultado-da-pesquisa/).
Mas
se você for homem, talvez isso nem tenha passado pela sua cabeça.. afinal de
contas, você pode andar sem camisa em (quase) qualquer lugar sem que isso seja
entendido como provocação sexual, você pode ir e vir sem ter medo de ser
assediado, agredido ou estuprado. Que bom pra você, porque você não precisa
sentir medo apenas pelo fato de EXISTIR e ter uma vagina.
Sim,
eu sei que tem mulher que adora se expor, que acha graça em cantada, que usa
roupas vulgares com o propósito de provocar. Afinal, infelizmente, a gente
ainda vive numa cultura que objetifica a mulher - muitas vezes com o consentimento
de muitas delas. Mas ser sexy, ou vulgar ou qualquer outra coisa é uma escolha
individual, e ninguém tem o direito de
xingar, zoar ou assediar qualquer mulher por isso. Cantada não é elogio!
Porque
usar roupa curta, na maioria das vezes, NÃO É UM CONVITE. Mulheres têm o direito
de usar roupas frescas assim como você anda por aí sem camisa SEM PRECISAR TER
MEDO DE UM ESCROTO PASSANDO A MÃO NELAS, BUZINANDO, CHAMANDO-AS DE GOSTOSA OU
FAZENDO AQUELE BARULHO INSUPORTÁVEL COM A BOCA (que pra mim, lembra o som de
carne assando). RIDÍCULO!!!
Eu
já leio sobre o feminismo há algum tempo (casalsemvergonha.com.br; thinkolga.com;
blogueirasfeministas.com, todos têm ótimos textos a respeito). A minha intenção
não é dizer o que todos dizem, nem dar lição de moral em ninguém.. A minha
intenção é falar sobre coisas que eu vejo (e que eu sinto) diariamente dentro
da minha realidade: a de Nova Petrópolis. Aí discuto sobre esses assuntos que
tanto leio e, muitas vezes, sou censurada justamente pelas mulheres daqui.
E o que me deixa chateada não é a censura, mas
é quando penso em toda educação e a cultura que está enraizada e que faz muitas mulheres de Nova
Petrópolis ainda pensarem como homens machistas, e inclusive criarem seus
filhos e filhas para serem assim. Criam seus filhos para serem "os
pegadores", os meninos que não choram, que e aaaai deles se tiverem jeito
de bichinha (o que o pai, os avós e os vizinhos vão pensar?). Criam suas filhas
para serem como as princesas da Disney: imaculadas, inocentes, burras e
subservientes aos seus futuros homens. Ai dessa menina se jogar futebol, se
andar de skate, se andar com os meninos, se fizer tatuagem, se usar boné, se
tiver jeito de "machorra", se brigar com os meninos que fazem
bullyng, se não quiser casar ou ter filhos. Acha exagero? Então me chama inbox que eu
tenho várias histórias pra contar.
O
que isso tem a ver com o início do texto? TUDO! Porque é aí que muitos meninos
crescem achando que podem tudo, e muitas meninas crescem achando que não podem
nada. E esse tipo de pensamento é reforçado na adolescência e consolidado na
vida adulta, com ajuda dos pais e da sociedade.
Aí tu vê as meninas no boliche caindo de
bêbadas e se impressiona, mas não se surpreende com o bando de idiotas que
volta e meia se senta na frente do Babão ou do antigo Baronesa pra mexer com a
mulherada na rua - e se tu mandar um deles tomar no cu, é capaz de ser linchada
por todos.
Daí
tu dá uns tapas no cara que te traiu e tu é a ruim da história (e ainda dizem
que vadia é a menina que se ofereceu pra ele), mas quando alguma mulher em Nova
trai o namorado, daí ela é a vagabunda. Daí a mulher viúva começa a reconstruir
a vida e namorar com outra pessoa, e ela é a oferecida. Mas se o cara viúvo
conhece outra mulher é justo porque, afinal, alguém precisa ajudar ele a cuidar
da casa. O pior: são muitas MULHERES de Nova que ajudam a disseminar todos
esses preconceitos.
Eu
não vou conseguir mudar o mundo, nem o que as pessoas pensam ou fazem, até
porque já é um grande esforço tentar mudar a mim mesma e os pensamentos
preconceituosos que eu ainda cultivo no meu íntimo. Mas se os pais se
preocupassem mais em saber por onde os filhos andam do que falar mal do filho
dos outros, se as mães falassem mais sobre sexualidade com as filhas em vez de
falar mal da filha da vizinha que apareceu grávida, se as pessoas achassem mais
normal falar sobre esses assuntos do que sobre o BBB ou a novela, então talvez
teríamos uma chance de mudar o pensamento das próximas gerações, dessa galera
que tá vindo aí e não parece ter a menor consciência sobre quase nada... e a
maior culpa é dos adultos: muitos daqueles mesmos que acham graça mexer com as
mulheres e que acham que mulher de roupa curta pediu pra ser estuprada. Alguém
tem ideia de que não é incomum aqui em Nova que meninas sejam violentadas por
parentes?
Talvez
pareça estranho, muito doido da minha parte, fazer uma análise que envolva
tantos assuntos diferentes. Se você concorda ou não, é um direito que lhe
assiste. Mas se ao menos isso te fizer repensar algumas coisas, já fico feliz. Eu
também vivo repensando.
No
fim das contas, acho que não importa muito se a gente concorda ou não. Independente
do que você acredita ou do lugar em que você esteja, uma coisa deveria ser
certa: NO DIA EM QUE A MULHER TIVER O MESMO VALOR QUE UM HOMEM, E NO DIA EM QUE
MUITAS MULHERES SOUBEREM SE VALORIZAR, AS COISAS SERÃO MUITO DIFERENTES. Desde o
maldito e inconveniente assédio diário até a remuneração igualitária. É disso
que se trata o feminismo: não se permitir ser menos, mas também não querer ser
mais, apenas ser IGUAL.
E
ao caminhoneiro: eu queria ver se fosse com a tua mãe. E eu só não te chamo de
filho da puta porque, pra variar, quem é xingada de puta é sempre a mulher.